Thursday, February 22, 2007

Arrepia

Existe uma música que diz que "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé". Apesar de gostar do ritmo, sempre achei essa idéia um pouco exagerada e, pior, carregada de uma espécie de preconceito às avessas, como se, por trás do verso, estivesse a ameaça: "quem não gosta de samba, brasileiro não é". Aí seguia acreditando que, talvez, tudo o que falta aos sujeitos supostamente "ruins da cabeça ou doentes dos pés" é passar por uma boa experiência de samba ou carnaval, coisa que nem sempre é possível.

Acho que a minha tese tinha fundamento de verdade. Não sei se fui a única antropóloga de araque nessas horas, mas o que vi no Sambódromo, na noite de sábado para domingo, foi uma explosão genuína de brasilidade e alegria e, sim, samba no pé, de paulistanos que à primeira vista seriam incluídos na ala dos"doentes dos pés". Eis o meu primeiro registro da experiência desse ano no Sambódromo: esse maravilhar-se diante do brilho das escolas de samba. Talvez, um espetáculo tão bonito quanto o tilintar das luzes, batuques e brilhos da avenida.

O carnaval, esse Maluf de todo fevereiro, ou melhor, esse Corinthians, aquele que é amado ou odiado, sem meio termo...

Como integrante do primeiro time, não poderia deixar de registrar no meu cantinho a experiência deliciante de participar da segunda noite de desfiles em Sampa, nesse ano de 2007. Se perdi a chance de falar de outras ótimas experiências de carnaval de anos anteriores, o que é uma grande pena, foi por pura falta de maturidade naqueles idos tempos. Sim, ainda reduzia o carnaval moderno, de certa forma, a palco para o desfile de bundas e peitos siliconados, como muitas pessoas ainda o vêem. Mas agora é diferente. A festa ganhou um significado importante para mim, quando vejo que hoje sou muito mais consciente e bem resolvida com a minha brasilidade.

Desconfio que um processo parecido com o meu tenha acontecido também com outras pessoas que decidiram abraçar a cultura do nosso país com a força que merece ou, simplesmente, assumir tudo aquilo que nos fazem brasileiros, do virtuoso ao criticável.

Pois bem. Longe de tecer uma ode ao carnaval à moda Galvão Bueno, minha alegoria se resume a uma palavra: bateria. Deposito nela a responsabilidade primeira pela minha paixão. Começou quando criança, bem pequena, e fechou um ciclo nesse último domingo. A bateria que arrepia, ensurdece, enlouquece, amplifica a batida do coração para 3000 decibéis, e por aí vai. Ela, em si, já seria um motivo suficientemente forte para que os doentes dos pés se lancem à experiência.

Ainda não deu tempo, mas tenho certeza que, durante todo o meu ano, vou sentir saudade do batuque da Águia de Ouro: mais de trezentas pessoas douradas que se abriam em duas grandes metades para deixar o casal de mestre-sala e porta-bandeira girar livres e esplendorosos, sob os aplausos de milhares de pessoas e gritos de "É campeã!". Sei que vou sentir saudade da força dos mil surdos, que carregam nossas veias de uma energia de terremoto, e dos bumbos, imitando a batida de um grande coração apaixonado. Que assim seja!

Ah, a bateria...mas, chega de poesia e devaneio e vamos a algumas impressões deste ano (sob meu olhar sempre romântico, é claro).

Juras? Acredite se quiser, o Sambódromo no Carnaval é um lugar organizado, limpo (pelo menos no início do desfile), com fartas informações à disposição, seguranças para todos os lados, programa impresso em papel couchê entregue na entrada do Anhembi, gente do bem nas arquibancadas e tudo o mais que eu imaginava ao contrário. Baita surpresa!

Às margens do Tietê eu sentei e chorei. O espírito looser se manifesta de formas sutis, e no carnaval não seria diferente. Claro que fui embora, vencida pelo cansaço e pela manhã que despontava, sem ver a Mocidade Alegre desfilar seu enredo de homenagem ao riso. E, claro, a Mocidade venceu o título.

Só no degrauzinho. Um dos maiores mitos do Carnaval de avenida está desfeito. Sim, é possível sambar no degrau da arquibancada. Inclusive fazendo suas variações mais complexas, como requebrar até o chão e ir girando com as cadeiras. Só não tente fazê-lo após a terceira cerveja.

Foi Foi. A Vai Vai fez um desfile lindo e abocanhou o terceiro lugar, mas, dá licença, foi a Águia de Ouro quem fez milhares de pessoas cantarem seus dois refrões como um verdadeiro hino. Desfile lindo, simples, roots, sobre o nosso artesanato. Amei.

Negra é linda. É bem legal ver a galera negra, especialmente as mulheres, todas poderosas no Carnaval. É uma pena que muitas delas só assumem sua negritude, traduzida na forma de tranças e badulaques afro, nessa época e no dia 20 de novembro, Dia de Zumbi. Elas não sabem o que estão perdendo, pois são lindas e têm tudo para inaugurar uma nova era de valorização de sua beleza e tudo o que de positivo representam para o mundo. E, assim, varrer de vez esse racismo ignorante que ainda persiste na nossa sociedade.

Mas morena é linda também. Ai, gente, desculpa, tá, mas eu também tava um arraso nesse Carnaval...e, ó só, não perco pra nenhuma mulata no quesito samba no pé. Tenho até uma certa vergonha de requebrar em público, pois, afinal, isso não é coisa que uma mãe de família faça na frente dos outros, né? Ainda mais com essa napa italiana que Deus me deu ;-)

Carna-monkeys x torcidas. Esplendor da Rosas de Ouro que não passa no arco do Sambódromo. Aí o esplendor passa na maior dificuldade e a galera da Vai Vai, junto com todo mundo, explode na torcida. Carro todo iluminado que de repente apaga. E o povo “Ahhhh...”. Passista que chora e perde o equilíbrio emocional. E, quando volta pra avenida, refeita, todas as torcidas de todas as escolas explodem em aplauso. Escola que traz cadeirantes e deficientes mentais na avenida. Mais aplausos. Fica a certeza: o Carnaval é a festa do bem, e a torcida é pela felicidade geral e sucesso de todo o espetáculo.

Isso nunca aconteceu comigo antes. Não conta pra ninguém, tá, mas a Mancha Verde me fez broxar. Fala pra mim se tem cabimento colocar badalos de igreja no meio de um samba? Ou é missa do galo ou é festa pagã, decidam-se! Sem dúvida umas das piores misturas que já vi. E o pior de tudo é que o diabo do refrão grudou na minha cabeça: “ó virgem santa, rogai por nós”. Só faltou colocar no Ratzinger como destaque. Mea culpa, mea culpa...

Avassaladora. Comissão de frente da Rosas de Ouro, que dramatizou a cena de “Os retirantes”, de Portinari, uma das pinturas mais contundentes da história da arte mundial, e brasileiríssimo. De arrepiar.

Avassaladora 2. Para alegorizar seu tema sobre a "criação da Terra", a Peruche colocou na avenida um carro com um casal gigante fazendo amor.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Καλή ηµέρα!

Σ'αγαπώ!

3:04 AM  
Anonymous Anonymous said...

An ni nach cluinn cluas cha ghluais cridhe

3:27 AM  
Blogger Juliana said...

Aíã Fêã, mochtra seu sâamba no péa!
Mas no melhor estilo paulista, é claro, mano... hehe!
Adorei o post! Agora, que história é essa de "isso não é coisa que uma mãe de família faça na frente dos outros"? Libera geral, amiga, pois a dança é linda, expressão dos Deuses... e umas requebradinhas, se bem colocadas (no bom sentido, é claro), não serão jamais motivo de desonra! Dá-lhe mulherada... quem sabe ano que vem não me arrisco tb, pois embora o pessoal não bote fé, essa alemoa fajuta e brasuca forever até que samba um pouquinho tb, hehe..
Bjos!
Ju

7:51 PM  
Anonymous Anonymous said...

Da próxima vez prometo ser mais enfática nas minhas ironias...hehe Beijo, Jubs!

Ps.: não pense que vou cobrar o samba no pé, hein, alemã made in Trás-dos-Montes!

3:49 AM  
Blogger menina said...

Ups...não pense que NÃO vou cobrar o samba no pé...rs

3:57 AM  

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