Wednesday, February 07, 2007

Sobre Gaia, essa velhinha



Ilustração: Stephanie Pui-Mun Law

Agora é sério.

Sem muito tempo para blogar, mas literalmente perturbada pela pauta negra do futuro do planeta, tenho buscado algumas leituras sobre os prováveis efeitos da escalada de aquecimento global.

Até onde os olhos dos cientistas do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC, em inglês) conseguem enxergar, o planeta mergulhará até 2100 em um aumento médio de 4º Celsius, o que bastará para uma profusão gradual, mas cada vez mais rápida, da ocorrência de tufões, enchentes, alagamentos, devastação de ilhas e regiões costeiras pelas águas oceânicas, entre outros fenômenos. Fala-se inclusive em uma redução da população mundial, que aliás já dobrou o cabo da boa esperança dos números há muito tempo, para algo em torno de 20 a 30% dos atuais 6 bilhões de almas.

Até aí, é o que todo mundo já leu, ouviu ou fagocitou de internet, amigos, TV. O problema, e talvez fonte maior da minha agonia atual, está no que diz o cientista James Lovelock no livro "A vingança de Gaia", presente dos amigos Ezio e Cindy. Lovelock é o criador da teoria de Gaia, segundo a qual o planeta Terra é um ser vivo e, como tal, responde às agressões como o corpo humano responderia a uma doença (no caso da Gaia, a doença é clara: o padrão de consumo, de produção e de exploração patrocinados pelo capitalismo atual). Para ele, mais do que nos preocuparmos com a sobrevivência de nossos descendentes num mundo onde as terras férteis e a água bebível serão disputadas na base da guerra (Waterworld?), deveríamos nos preocupar com a sobrevivência de todo o sistema Gaia, ou seja, do planeta vivo. A pergunta é: o que fazer hoje para que o planeta seja capaz de garantir, muito além da vida humana, quaisquer formas de vida?

Ele explica: durante seus últimos cerca de 4 bilhões, Gaia foi capaz de se reinventar continuamente, migrando de atmosferas iniciais dominadas pelo dióxino de carbono e pelo gás metano e enxofre (vulgo "pum"), para a atmosfera atual composta por oxigênio e hidrogênio. Até a chegada do oxigênio e, com ele, das primeiras formas mais complexas de vida, a Terra, então um planeta jovem, se auto-regulava com facilidade, pois as alterações vinham sempre de agentes externos, como meteoros, asteróides e tempestades solares.

Mas a vida floresceu com a vinda do oxigênio, e o resto você já pode imaginar. Veio o homem, veio a pedra lascada, veio o fogo, e com ele os primeiras queimadas e primeiros roçados. O homem, até então mergulhado em uma relação de simbiose com o planeta, passa ser seu único hospedeiro, interferindo na delicada harmonia do Globo. Nada que Gaia ainda não pudesse contornar, com suas mil maneiras de se manter resfriada e garantir a sobrevivência das espécies e sua própria, sendo esse seu objetivo maior.

E foi o que fez nosso planeta, até que, em 1789, a França colocou no poder do centro do mundo uma nova classe de seres humanos, ávidos por riqueza e poder, embora travestida do discurso da igualdade, fraternidade e liberdade. Século e meio depois, veio a Revolução Industrial, respaldando um novo modelo de vida já previamente germinado pelos anseios da burguesia européia. Fornos, máquinas, indústria, cidades. E o gráfico de emissões de CO2 subindo, em apenas 200 anos, quase um novo planeta Terra a mais do que nos últimos 200 mil.

Chegamos então à Terra como ela é hoje, um planeta maduro o bastante para já ter aprendido a se defender das agressões e desafios que sua história cósmica impôs, no entanto velho demais para encarar grandes empreitadas climáticas. Na minha cabeça, é como se Gaia fosse uma velhinha franzina de 100 anos tentando carregar no colo um menino obeso, chorão e pirraçento. De duas, uma: ou ela joga o menino no chão, ou ela vai ao chão com ele.

Pois bem. Para Lovelock, o esforço que Gaia, essa velhinha que nos segura no colo, terá de ser tão grande para equilibrar o menino gordo, que ela vai desabar, quebrar a bacia e nunca mais sair da UTI de um hospital público do Rio, até morrer de infecção hospitalar. E isso vai ser bem rápido, a não ser que esse menino comece um regime urgente, livre principalmente dos Big Mac e das Coca-Colas. E, ainda assim, a velhinha provavelmente vai pifar, porque o esforço que fez pra carregar o gorducho por tanto tempo lhe exauriu as energias mais elementares.

Em outras palavras: Lovelock aposta que a Terra não será mais capaz de se manter refrigerada no ponto mínimo não só para a sobrevivência do Homem, mas para sua própria, fazendo com que o calor suba a níveis insuportáveis que a tornarão literalmente estéril para o florescimento da vida (seja ela qual for). Nos tornaremos um Mercúrio em proporções terráqueas, uma pedra escaldante e morta.

Num próximo post, vou tentar escrever sobre algumas das idéias que os EUA estão bolando para interferir na escalada de calor, como os incríveis milhões de micro refletores de luz solar que pensam em colocar na órbita terrestre. Tabajara perde. Preparem seus corações.

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