Monday, November 27, 2006

O rádio-fantasma


Para mim, o grande problema das pessoas é que elas se deixam dominar pelos próprios pensamentos. As barreiras que criam são mais poderosas que muralhas. Veja os casos de fantasmas, por exemplo.

Eu mesma não ouso olhar para a frestinha da porta do quarto, quando estou dormindo, se sismo que vou dar de cara com um coisa-ruim me observando por entre aquele fino espaço. Tenho esse medo desde pequena.

Tenho um outro bem típico também: fechar os olhos para tirar o xampú do cabelo e, quando abrir, tcharam..., dar de cara com um bicho-papão. Credo-em-cruz!

Mas o pior medo de todos é aquela história de você chegar em casa, com tudo apagado, você acende a luz, dá um passo para dentro e... Pám! A porta fecha sozinha atrás de você e a luz apaga igualmente por si mesma. Eu realmente tenho pavor de isso acontecer comigo um dia.

Tem gente que diz só ter medo de ladrão, tiro perdido e avião. E, pior, se orgulha disso. Meu avô era desse time. Eu sempre senti uma inveja muito grande dele, o achava o supra sumo dos heróis. Dizia ele: "Só tenho medos dos vivos". E eu pensava: "Como? Não tem medo de fantasma? Impossível, só anormais não têm." É claro que eu não falava isso para ele, por medo de chacota (aliás, esse é outro medo que toda criança tem: ser vítima de chacota por ter medo de bicho-papão). Com certeza meus olhos brilhavam vendo ele se gabar, tamanha a admiração.

Um dia, porém, ele mostrou que era como todo mundo, ou seja, que tinha medo dos mortos. Toda noite, ele adormecia com um radinho de pilha ligado. Mas nessa noite fatídica em que ele mostrou que também era gente como a gente, meu primo e meu irmão, que estavam dormindo no quarto ao lado, afanaram sorrateiros o radinho e colocaram outro, quebrado, na mão do vô adormecido. Sem que ele percebesse a troca e a sacanagem, é claro. Essa missão impossível toda foi só porque os dois queriam ouvir o tal programa de "exorcismo" com que o vô costumava pegar no sono, coisa bem leve.

Então, certa altura da noite, o vô, que já não enxergava muita coisa, acordou naquele estado meio "perda de identidade" de quem desperta sem motivo aparente, no meio da noite. A praga é que ele ouviu um barulho de rádio, mas percebeu que o som não saia daquilo que estava em sua mão! Intrigado e já com uma pontinha de insegurança diante daquela situação inexplicável, acordou minha avô afobado, sob a justificativa de ajudá-lo a "entender de onde vinha o som". A vó, que acredita em vida após a morte e acha isso a coisa mais normal do mundo (ela sim é digna de admiração!), pediu que ele fizesse silêncio: "Pode ser uma mensagem do outro lado, vamos tentar escutar..."

E não é que ela estava certa. Ouvindo aquilo tudo sem soltar um pio, mas como uma gargalhada pronta para explodir, os únicos dois espíritos-de-porco habitantes da casa apareceram na porta do quarto, sem qualquer efeito especial de filme de terror, mas com a cara mais deslavada de quem acabara de pregar uma "peça sobrenatural" no próprio avô. E foi só risada...

Desse dia em diante passei a acreditar que, quanto mais se nega aquilo que vem do além, mas ele tende a se mostrar para você – mesmo que seja "só uma brincadeirinha". Por isso, continuo fechando meus olhos muito bem fechadinhos quando percebo que o bicho-papão pode estar de olho (um olho) em mim, bem ali, na frestinha da porta...

3 Comments:

Blogger Mônica said...

Nossa, Fê!!! Tá lindo isso aqui. Adorei!!! Adoro essas histórias de criança... Mas com essa onda do politicamente correto, tenho "medo" que as crianças daqui a pouco só tenham medo das coisas reais (tiro, PCC) porque as fantasias (bicho papão, boi da cara preta) estão sendo censuradas equivocadamente pelos pais. O medo faz parte do nosso crescimento, né não? Beijo enorme!

2:34 PM  
Anonymous Anonymous said...

Fe,

Uma confissão: também morria de medo de fechar os olhos para tirar o shampoo e dar de cara com um monstro. Vai ver é por isso que até hoje não gosto muito de fechar os olhos para lavar o rosto...rs

2:44 AM  
Blogger Juliana said...

Muito legal esse post, Fê! No banho eu nunca tive medo, mas antes de dormir, até hoje demoro pra apagar a luz do abajour... hehehe! E essa história do rádio tá muito boa... também tenho várias com meus tios "espirituosos" e meus avós, rs!
Bjão!

12:31 PM  

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