Friday, November 24, 2006

Revisitando Pagu



Estamos numa época mesmo estranha. Coisas belas e mágicas são reduzidas a procedimentos científicos, e certezas matemáticas consolidadas são desconstruídas por motivações religiosas e transcendentais. Saem dos tubos de ensaio e das farmácias a essência da paixão, o segredo do amor, o elixir da juventude, a garantia de longas noites de prazer e romance. Saem das salas de aulas hordas de meninos e meninas que creem que a mulher nasceu de uma costela, e que Deus é um velho barbudo de cara amarrada. Arrisco dizer que vivemos uma época singular, em que convivem lado a lado uma idade média das mais primitivas e um futuro spielbergiano da mais alta vanguarda.

Com outras certezas e verdades absolutas não é diferente. Antigamente se dizia que uma mulher nunca se engana: com pouco mais que um olhar, é capaz de radiografar a alma de fulano ou sicrana. Agora, encontramos livros mostrando o processo químico/sensorial destes supostos "dom dos deuses" femininos. Tá tudo ali, explicado. Acabou o segredo e a magia. O oculto cedeu lugar ao prático, ao rápido e ao que produz resultado. O reino das fórmulas medianas e digestíveis dos livros de auto-ajuda nos acinta e alerta. Práticos, rápidos e bem-sucedidos devem ser os relacionamentos, os sentimentos, os envolvimentos, as indignações.

Indignações. Houve uma época que elas não eram movidas pelos comerciais de 30 segundos, muito menos pautadas pela eficiência da informação rápida e eficiente. Seus caminhos não eram metodológicos, muitas vezes nem eram muito lógicos. Não havia internet, institutos de pesquisa vomitando dados estatísticos e estudos científicos comprovando obviedades, mas havia um grande e universal sentimento de que as coisas estavam indo muito mal. Havia algo oculto na alma das pessoas, que os dados científicos não alcançavam nunca, e que, exatamente por isso mesmo, tinham a potência de nos mover para frente. Estranha ironia: mais ricos em sapiência sobre nossos problemas e sobre as "soluções" para eles, mais pobres em níveis de mobilização, consciência e força. Somos crianças o tempo todo traduzidas e mediadas por pais extremamente zelosos de nosso futuro - nunca, jamais, autores de nossa própria história.

Quero acreditar que este fenômeno será passageiro. Excesso de informações, banalização da violência e da brutalidade, e respostas mastigadas parecem nos paralisar nesse momento. Precisamos encontrar um jeito de buscar nossas próprias perguntas e respostas e negar a preguiça da digestão fácil propiciada pelos meios e caminhos fáceis da aculturação. Precisamos revisitar o Antropofagismo.

No meu próximo post, vou falar de uma parte do Antropofagismo que gostaria de ver revisitada em primeiro lugar: o feminismo. Jogue seu preconceito de lado. O feminismo que minha indignação ora soterrada quer ver revisitado não tem muito daquilo que nós, mulheres neuróticas dos anos 2000, herdamos de nossas heroínas. Meu feminismo não é desejar trabalhar fora, não é desejar a ilusão de ser independente, não é a solidão do louvor à juventude, à beleza, à solteirice e ao hedonismo.

Meu feminismo é feminino. Doce, mas acertivo. Quente, mas vinculado. Maternal, mas guerreiro. Sensível, mas forte. Não não se masculiniza para jogar o jogo corporativo, não se exacerba e não se estupra para galgar espaço na sociedade. Meu feminismo não é nada senão o que é uma mulher. Não tem que protestar nem queimar sutiãs, porque nasce de dentro pra fora, pouco a pouco, dia a dia. Meu feminismo será radiografado de uma mulher para a outra, e de outra para a outra, com apenas um olhar.

Meu feminismo divide seu tempo com a casa, os filhos, os amigos, a mãe, a sogra, o marido, o cinema, o bar, o teatro, a viagem. Meu feminismo é coragem pura de dizer sim para a vida. Meu feminismo não deixa nunca de sonhar o que quiser, quando quiser, como quiser. Nunca se nega a própria felicidade, porque sabe que dela depende a felicidade de todos os que estão ao redor. Meu feminismo é Gaya, sonhadora, carregando todos os que ama junto consigo.

Até a próxima!

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Mana, seguinte... falo para ti o que falei pra Mô dia desses: acho que a gente devia fazer um "The best of" dos nossos três blogs e publicar alguma coisa no futuro. Que acha? Esses teus escritos estão cada vez mais coisa fina... e os dela também! Quero pegar carona nessa competência toda!! :))
Beijos!!
Juju

8:36 PM  
Blogger menina said...

Competência? Mmm... tá, vou aceitar como um elogio de uma grande amiga compartilhadora de devaneios...hehe Só faço meu comercial. Ah, adorei a idéia do "besta-de", Ju. Mas me avisa antes para não sair texto com frases como "pautadas pela eficiência da informação rápida e eficiente" ahaha! Beijão, mana

8:05 AM  
Anonymous Anonymous said...

Muito inspirado esse posto Bi!

2:11 PM  

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