Thursday, November 30, 2006

Frase do dia

"Eu dou defeito"

Fernanda Favaro, em momento Krafwerk do dia

Tuesday, November 28, 2006

Imagem da semana (entre tantas outras)



E, a propósito, sim, eu sou palmeirense.
"Nem tudo pode ser perfeito", direis tu.

Foto: Evelson de Freitas/Agência Estado

Monday, November 27, 2006

O rádio-fantasma


Para mim, o grande problema das pessoas é que elas se deixam dominar pelos próprios pensamentos. As barreiras que criam são mais poderosas que muralhas. Veja os casos de fantasmas, por exemplo.

Eu mesma não ouso olhar para a frestinha da porta do quarto, quando estou dormindo, se sismo que vou dar de cara com um coisa-ruim me observando por entre aquele fino espaço. Tenho esse medo desde pequena.

Tenho um outro bem típico também: fechar os olhos para tirar o xampú do cabelo e, quando abrir, tcharam..., dar de cara com um bicho-papão. Credo-em-cruz!

Mas o pior medo de todos é aquela história de você chegar em casa, com tudo apagado, você acende a luz, dá um passo para dentro e... Pám! A porta fecha sozinha atrás de você e a luz apaga igualmente por si mesma. Eu realmente tenho pavor de isso acontecer comigo um dia.

Tem gente que diz só ter medo de ladrão, tiro perdido e avião. E, pior, se orgulha disso. Meu avô era desse time. Eu sempre senti uma inveja muito grande dele, o achava o supra sumo dos heróis. Dizia ele: "Só tenho medos dos vivos". E eu pensava: "Como? Não tem medo de fantasma? Impossível, só anormais não têm." É claro que eu não falava isso para ele, por medo de chacota (aliás, esse é outro medo que toda criança tem: ser vítima de chacota por ter medo de bicho-papão). Com certeza meus olhos brilhavam vendo ele se gabar, tamanha a admiração.

Um dia, porém, ele mostrou que era como todo mundo, ou seja, que tinha medo dos mortos. Toda noite, ele adormecia com um radinho de pilha ligado. Mas nessa noite fatídica em que ele mostrou que também era gente como a gente, meu primo e meu irmão, que estavam dormindo no quarto ao lado, afanaram sorrateiros o radinho e colocaram outro, quebrado, na mão do vô adormecido. Sem que ele percebesse a troca e a sacanagem, é claro. Essa missão impossível toda foi só porque os dois queriam ouvir o tal programa de "exorcismo" com que o vô costumava pegar no sono, coisa bem leve.

Então, certa altura da noite, o vô, que já não enxergava muita coisa, acordou naquele estado meio "perda de identidade" de quem desperta sem motivo aparente, no meio da noite. A praga é que ele ouviu um barulho de rádio, mas percebeu que o som não saia daquilo que estava em sua mão! Intrigado e já com uma pontinha de insegurança diante daquela situação inexplicável, acordou minha avô afobado, sob a justificativa de ajudá-lo a "entender de onde vinha o som". A vó, que acredita em vida após a morte e acha isso a coisa mais normal do mundo (ela sim é digna de admiração!), pediu que ele fizesse silêncio: "Pode ser uma mensagem do outro lado, vamos tentar escutar..."

E não é que ela estava certa. Ouvindo aquilo tudo sem soltar um pio, mas como uma gargalhada pronta para explodir, os únicos dois espíritos-de-porco habitantes da casa apareceram na porta do quarto, sem qualquer efeito especial de filme de terror, mas com a cara mais deslavada de quem acabara de pregar uma "peça sobrenatural" no próprio avô. E foi só risada...

Desse dia em diante passei a acreditar que, quanto mais se nega aquilo que vem do além, mas ele tende a se mostrar para você – mesmo que seja "só uma brincadeirinha". Por isso, continuo fechando meus olhos muito bem fechadinhos quando percebo que o bicho-papão pode estar de olho (um olho) em mim, bem ali, na frestinha da porta...

Friday, November 24, 2006

Revisitando Pagu



Estamos numa época mesmo estranha. Coisas belas e mágicas são reduzidas a procedimentos científicos, e certezas matemáticas consolidadas são desconstruídas por motivações religiosas e transcendentais. Saem dos tubos de ensaio e das farmácias a essência da paixão, o segredo do amor, o elixir da juventude, a garantia de longas noites de prazer e romance. Saem das salas de aulas hordas de meninos e meninas que creem que a mulher nasceu de uma costela, e que Deus é um velho barbudo de cara amarrada. Arrisco dizer que vivemos uma época singular, em que convivem lado a lado uma idade média das mais primitivas e um futuro spielbergiano da mais alta vanguarda.

Com outras certezas e verdades absolutas não é diferente. Antigamente se dizia que uma mulher nunca se engana: com pouco mais que um olhar, é capaz de radiografar a alma de fulano ou sicrana. Agora, encontramos livros mostrando o processo químico/sensorial destes supostos "dom dos deuses" femininos. Tá tudo ali, explicado. Acabou o segredo e a magia. O oculto cedeu lugar ao prático, ao rápido e ao que produz resultado. O reino das fórmulas medianas e digestíveis dos livros de auto-ajuda nos acinta e alerta. Práticos, rápidos e bem-sucedidos devem ser os relacionamentos, os sentimentos, os envolvimentos, as indignações.

Indignações. Houve uma época que elas não eram movidas pelos comerciais de 30 segundos, muito menos pautadas pela eficiência da informação rápida e eficiente. Seus caminhos não eram metodológicos, muitas vezes nem eram muito lógicos. Não havia internet, institutos de pesquisa vomitando dados estatísticos e estudos científicos comprovando obviedades, mas havia um grande e universal sentimento de que as coisas estavam indo muito mal. Havia algo oculto na alma das pessoas, que os dados científicos não alcançavam nunca, e que, exatamente por isso mesmo, tinham a potência de nos mover para frente. Estranha ironia: mais ricos em sapiência sobre nossos problemas e sobre as "soluções" para eles, mais pobres em níveis de mobilização, consciência e força. Somos crianças o tempo todo traduzidas e mediadas por pais extremamente zelosos de nosso futuro - nunca, jamais, autores de nossa própria história.

Quero acreditar que este fenômeno será passageiro. Excesso de informações, banalização da violência e da brutalidade, e respostas mastigadas parecem nos paralisar nesse momento. Precisamos encontrar um jeito de buscar nossas próprias perguntas e respostas e negar a preguiça da digestão fácil propiciada pelos meios e caminhos fáceis da aculturação. Precisamos revisitar o Antropofagismo.

No meu próximo post, vou falar de uma parte do Antropofagismo que gostaria de ver revisitada em primeiro lugar: o feminismo. Jogue seu preconceito de lado. O feminismo que minha indignação ora soterrada quer ver revisitado não tem muito daquilo que nós, mulheres neuróticas dos anos 2000, herdamos de nossas heroínas. Meu feminismo não é desejar trabalhar fora, não é desejar a ilusão de ser independente, não é a solidão do louvor à juventude, à beleza, à solteirice e ao hedonismo.

Meu feminismo é feminino. Doce, mas acertivo. Quente, mas vinculado. Maternal, mas guerreiro. Sensível, mas forte. Não não se masculiniza para jogar o jogo corporativo, não se exacerba e não se estupra para galgar espaço na sociedade. Meu feminismo não é nada senão o que é uma mulher. Não tem que protestar nem queimar sutiãs, porque nasce de dentro pra fora, pouco a pouco, dia a dia. Meu feminismo será radiografado de uma mulher para a outra, e de outra para a outra, com apenas um olhar.

Meu feminismo divide seu tempo com a casa, os filhos, os amigos, a mãe, a sogra, o marido, o cinema, o bar, o teatro, a viagem. Meu feminismo é coragem pura de dizer sim para a vida. Meu feminismo não deixa nunca de sonhar o que quiser, quando quiser, como quiser. Nunca se nega a própria felicidade, porque sabe que dela depende a felicidade de todos os que estão ao redor. Meu feminismo é Gaya, sonhadora, carregando todos os que ama junto consigo.

Até a próxima!

Thursday, November 23, 2006

É impossível blogar um só

Algumas pessoas acordam cedo pra se exercitar ou andar de bicicleta. Outras pegam o cachorro e saem pelas ruas do bairro, deixando pra trás um ou mais motinhos de cocô. Tem também aquelas que vão até a padaria comprar jornal beeem cedinho. Que saudáveis! Eu, na absoluta falta de coragem para levantar 6 da manhã e fazer qualquer coisa que requeira mais esforço do que escovar os dentes, dou meu próprio rolê matinal: ando por aí, perdida ou achada por entre os blogs de amigos, amigos de amigos, conhecidos, desconhecidos...

Tal qual uma blogaholic - expressão inventada por mim nesse exato segundo para designar pessoas que são viciadas "nessas pagininhas", como disse um amigo -, meu ritual de primeira hora no trampo é checar as novas da galera.

Começo quase sempre pelos cantinhos das amigas queridas Juliana, Taís, Mônica, Paulas, Francine, Cacau, Adriana. Me divirto com os posts sempre bem-humorados da Paula sobre o complexo relacionamento homem-mulher, me emociono com as caraminholas sensibilíssimas e auto-confessionais da Mônica, conheço mais sobre Porto Alegre (ô cidade boa, deus do céu) com os escritos deliciosos da Tás, sofro o impacto da contundência das palavras da Fran e de sua busca pela iluminação, dou risada com as convergências da minha vida com a vida da mana Jujubas (Z/S Rules...hahaha!), e mergulho nas aventuras suecas da Cacau, e mexicanas da Dri. Sem dúvida, formamos um belo clã de escrivinhadoras.

Meu rolê segue com o passeio pelos blogs dos meninos Dézão, Gio, Lu (meu maninho), Nils, Clayton... O blog do Dé, muito mais conhecido como Marmota, costumo visitar de vez em quando, quando tenho uns bons "par de" minutos na manga, que é para absorver textos sempre recheados de idéias, ângulos inusitados e referências sobre assuntos que vão de existência real a mundo digital. O Gio é parada certa para pessoas com o lado tosco desenvolvido. Sexo, violência, bizarrias e afins é seu subtítulo - precisa dizer mais alguma coisa? Já o blog do Lu me brinda com poesia e crônica, ora fazendo rir de doer a barriga, ora refletindo sobre o mundo. Já disse pra ele e repito aqui: Lu, vai encher o saco de uma editora que teus escritos são MUITO bons. O Nils, amigo da Alemanha de uma das minhas grandes amigas, virou também amigo blogueiro com seu cantinho virtual, que costumo visitar com o Google Translator ao lado. Por último, e mais recente, ando passeando pelo blog do Clayton, colega da faculdade que enfeita sua casa com causos, mídia e rock´n´roll.

É claro que não faço isso todo dia na mesma ordem, nem na mesma hora e nem sempre vejo todos os blogs que gostaria. Até porque, quem começa a fuçar, não pára nunca mais. Foi assim que descobri outros cantos selecionadíssimos, por investigação própria ou por indicação de amigos: Síndrome de Estocolmo, Garotas de Dizem Ni, Dois Neurônio, Capapuceiro, Drops da Fal, Mothern, Guindaste, Fothern, Meus Estudos em Rede, Post a Secret, Blog do Lelê, Alexandre Sena, Celtic Blood, Pensar Enlouquece, Fabrício Carpinejar, Virunduns, Inconfidência Mineira, Blog do Noblat....e tantos outros.

Para um ano de blogagem sei que mergulhei raso demais, ainda, nesse mundo. Acredito que por debaixo da superfície tem muito mais coisa boa por aí, feita por gente que conheço e por "desconhecidos" - que nesse mundo virtual se tornam parte de uma grande, generosa e lactante nação blogueira. Fora isso, tem também os portais e sites sobre assuntos que muito me tocam. Mas isso é assunto para outro texto, se Rá quiser!

Agora sinhô e sinhá me dão licença que eu vou usar minhas horinhas restantes do dia para...trabalhar. Como todo bom blogueiro que se preze.

Wednesday, November 22, 2006

Beltane: uma imagem


By Stephanie Pui-Mun Law

Tuesday, November 21, 2006

A hora da estrelinha...ainda que tardia!


Minha Nina em seu momento celebridade do ano!

Thursday, November 16, 2006

Fé, coragem e pó mágico

Silêncio. Noite é quente. Coração dilacera. “Você sofre por antecipação”. Pode ser, mas...quem não? Atirem, atirem todas as pedras. Eu já não me importo mais. Já sou mulher-autômata, sem coração. Meus pensamentos são frases-feitas que aprendi a decorar, pra satisfazer esse roteiro que o mundo espera de mim. Ou não. “Será que espera mesmo, Fê? Será que não querem, somente, que você seja feliz – seja como for?”

Assim Amiga diz. E olha que Amiga nem leu O Retrato de Dorian Gray! Nasceu sabendo, ou aprendeu na marra, de Brasileira que é! De um jeito ou outro, te amo, Amiga. Você sabe quem é e seu valor na minha vida.

Preciso transcender o verde-amarelo arroz com feijão preto no branco. Preciso. Preciso. O mundo quer isso. O mundo quer isso? Eu quero. É meu desejo e minha missão. Sabia que meu segundo blog teria momentos de recaída auto-confessional! Catzo Dio! Sabia, porque sei exatamente onde é que o meu calo aperta. Conheço cada dor e cada delícia minha. Conheço meu poder de mulher, fêmea, menstruante. Conheço minha fraqueza de fêmea, de Deusa à procura de seu Rei. E, cacete, como isso dá medo! Dá medo ser mulher antiga e de olhos de mel versus mundo extremado, amargurado, desarmônico.

O rei perfeito? O príncipe encantado? Amargas me dizem que ele não existe. Crianças me dizem que existe. Eu, o que digo? Sou eu mesmo uma fada? Sou eu mesmo uma bruxa? Contos de fadas são para tolos! Nem fada, nem bruxa – sou tola, somente, então.

Tola! (do tipo que ria muito do Banana Joe!)

Fê é diferente de Fé. Fê pode ser o início de Fêia. Fé pode ser o começo da Fébre. Febre causada pela Luz - que por enquanto é fresta. Mas que pode ser clarão. “Teus olhos meu clarão, me guiam dentro da escuridão”. Os Tribalistas zombam, a cada rodada do CD: “Ei, Frodo, onde está o seu Sam???”

O que preciso para enxergar além do que meus sentidos me permitem? Terapia? Viagem? Uma jaca para eu enfiar o pé? Ou uma janela para eu voar?

Ou “´fé, coragem e pó mágico”?

Ou la belle nuit d´amour?

Ou...tempo?

De todo jeito, juro ternuras e sigo sozinha.

Monday, November 13, 2006

A hora da estrelinha

É. Minha Nina é, digamos assim, chegada num palco. Desde muito petitica, não podia ver uma apresentação de Natal ou musical de fim de ano da Xuxa que ficava literalmente 'hipopotizada´ pela TV. Musicais, óperas e peças, aliás, ainda são as únicas coisas que a deixam embevecida diante da babá eletrônica.

Com um ano aninho ou dois a baixinha ficou firmona assistindo à ópera João e Maria, no Teatro Municipal. Deixou todo mundo de boca aberta com sua compenetração e brilho no olho. E eu - que besta - morrendo de medo de ela chorar ou coisa parecida.

Na escola, começou o ballet bem cedinho, com 3 anos, e pegou firme na dança como mascotinha da turma da tia Rê. Era muito engraçado e muito fofo vê-la fazendo os passinhos toda séria, prestando atenção na tia, do lado de meninas muuito maiores que ela. Sobrancelha chegava a cerrar.

Não deu outra. Virou a coreógrafa da família, alternando com momentos de diretora de palco também, mandona que só ela.

Aí, incentivada pela tia Eliane e pelos pais - é claro -, terminou de se apaixonar pelas luzes da Ribalta. Não tem uma vez que estamos no teatro, ou mesmo no cinema, que ela deixe de dar seu show particular no final do espetáculo, subindo no palco ou indo lá na frente da telona para mostrar seus passinhos para o ´público´ . E, vejam, já até perdi o medo de pagar mico, uma vez que ela me chama para participar da dança inúmeras vezes.

Na quarta-feira passada não foi diferente. Lá estava ela sentadinha no auditório do Sesc Pinheiros, onde aconteceu o Prêmio Criança, quando anucia: - "Mãe, eu não tenho vergonha de ir no palco, tá?"

Era a senha. Devagarinho, ela ia e voltava, conquistando pouco a pouco o espaço do palco. Quando vimos, Nina já estava lá, descalça - a cara dela (e minha também...rs). Maria Rita cantava suas últimas músicas, mas quem roubou a cena naquele momento foi a minha baixinha.

No final, deram uma boneca de pano pra ela entregar à cantora, que retribui entregando outra.
Ela lá, na maior cara de pau, fazendo seu número direitinho na frente de 600 pessoas. Que figura!

Pra provar, eis a foto da Maria Rita com a bonequinha entregue pela Nina. Mas tem muito mais, na sequência, se o sistema de upload de fotos do Blogger colaborar. Me ajuda, vai, Blogger!

Friday, November 10, 2006

Pagú

Mexo e remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira sabe o que que é ser carvão

Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra

Minha força não é bruta
Não sou freira, nem sou puta

Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda

Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem

Sou rainha do meu tanque
Sou Pagú indignada no palanque

Fama de porra louca...tudo bem
Minha mãe é Maria ninguém

Não sou atriz
Modelo ou dançarina
Meu buraco é mais em cima

Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda

Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem

(Pagú - Rita Lee e Zélia Duncan)

PS 1: Feliz Beltane atrasado! E viva nóis, bruxas brasileiras!
PS 2: Em breve, um post sobre Patrícia Galvão, a Pagú.
PS 3: Que delícia colocar textos imensos sem precisar cortar o post em dois!

Acordei com saudade do que não vivi

Depois de três dias ouvindo um monte de gente interessante falando da preciosidade atávica a cada criança pequena, dói voltar ao cotidiano das notícias do mundo e dar de cara com a realidade que nega, desrespeita e violenta os pequenininhos.

"Israel culpa falha técnica por morte de crianças"

Leio este tipo de coisa e me pergunto até quando as crianças receberão "desculpas oficiais" de governos no lugar de atenção, amor e respeito.

A pergunta "até quando" pode soar aberta demais, sem resposta demais, longe demais de ser alcançada. Mas a resposta é muito clara: as crianças serão respeitadas, assim como o serão todos os seres humanos, quando a lógica da exacerbação do capitalismo for invertida.

Não se trata defender um socialismo puído, mas, sim, de acreditar no retorno a um capitalismo original, aliado talvez a uma pressão genuína de todos os povos do mundo pela prática dos direitos às crianças. Nas suas bases, o capitalismo prega a geração de riquezas em benefício de toda a sociedade. A concentração radical da riqueza que vemos hoje é, portanto, uma distorção.

O que vivemos hoje é um câncer que colocou em curso a implosão de culturas, comunidades, valores humanos, meio ambiente, e enfiou goela abaixo um modelo único e obrigatório de ser humano: masculino, branco, bem-sucedido, ocidental e jovem.

Só que o mundo é colorido e do embate entre este modelo padronizado e as 99% cores restantes surge a radicalização do desrespeito em variadas formas: guerras, conflitos, machismo, miséria, brutalidade, violências, medo. Cresce a intolerância que nega as diversidades. E, na ponta mais vulnerável disso tudo, está a criança.

É claro que este é um ponto de vista político-ideológico da história. Penso em escrever, um dia, sobre seu sentido transcendental.

Pra ficar só nessa abordagem, há um monte de bons exemplos que provam que um outro mundo é possível, mesmo que continue capitalista. Um deles é o Grameen, criado pelo vencedor do Prêmio Nobel da Paz deste ano, Muhammad Yunus, indiano. O Grameen é
um banco de empréstimos populares que tirou milhões de pessoas da pobreza. Seu trabalho ressucitou a economia e a capacidade produtiva - e, em última análise, a felicidade - de Bangladesh, numa região completamente estagnada e miserável, provando que o investimento no ser humano e nos seus potenciais é bom pra todos. Inclusive como retroalimentador do próprio mercado.

Na mesma linha está o trabalho do economista James Hackman, outro Prêmio Nobel, só que de Economia. Ele provou que uma comunidade que recebeu investimento em políticas públicas na garantia dos direitos mais elementares das crianças de 0 a 6 anos, em comparação com outra que não recebeu, tornou-se uma sociedade muito mais desenvolvida no futuro, em inúmeros sentidos. Inclusive o econômico.

Enfim...

Acordei com saudade de um mundo mais equilibrado. Acordei com saudade daquilo que nunca vivi.

E acordei com essas frases na cabeça:

"A criança é o pai do homem"
Sigmund Freud

“A nossa verdadeira nacionalidade é a humanidade.”
H. G. WELLS

Thursday, November 09, 2006

Lua Nova

Boneca de pano preta de trança no guarda-chuva colorido no alto do palco espiava.

Espiava:
Gente que ria.
Gente que falava.
Gente que construía.
Gente que liderava.
Gente que pensava.
Gente de semeava.

Boneca de pano preta de trança no guarda-chuva colorido no alto do palco.
Voava
Dançava
Significava
Encantava
Emocionava

Depois dizem que as coisas não têm vida...

Saturday, November 04, 2006

Confissões de uma blogueira perdedora

Eu sou uma blogueira perdedora. Como blogueira e como concorrente a modelo de pessoa. Nã-nã-nina, sem comentários hipócritas, por favor. É só um fato posto em evidência. E sem chorumelas.

Não, eu não "trabalho prasss pessssoasss" e às vezes não "gosto de gente", como nos ensina Geraldo Alckmin, que, afinal, "foi médico, conhece gente". Trabalho para ganhar dinheiro e sustentar minha filha de 5 anos. Eu não queria que fosse assim, mas é. Ponto e acabou.

Fico quieta nas rodinhas de conversa entre pessoas "in" (vulgo: pessoas que viajam à beça, dizem que conhecem arte abstrata, frequentam restaurantes descolados e essas coisas). Meda.
Mas se alguém me pede alguma opinião sobre a efemeridade da vida do ponto de vista de algum filósofo grego, não resisto a traçar paralelos com a realidade incomodativa: "Pois é, no buso que eu pego tem um mendigo poeta que..."

Nunca vou desistir do amendocrem, mesmo se me colocarem na frente de uma geléia de framboesas importada da França. Vou traçar as duas, mas desistir do amendocrem...jamais! O mesmo com relação arroz com feijão, bife e salada de alface.

Eu gosto do meu país. Com toda a sua dor e delícia.

Eu gosto de velhinhos. Gosto mesmo.

Eu gosto de fusca. Mesmo.

E de ler. Qualquer coisa, inclusive (oh! heresia!) best-sellers.

E de escrever.

E de ter problemas existenciais. Não vivo sem um.

E de saber que a vida é real e de viés.

Os outros

O homem chegava ao velório para dar com os olhos, pela última vez, no Fim.

Familiares, amigos, colegas. Tinha muita gente ali pra fazer o mesmo.

No caixão, a filha atropelada. Saldo aparente da violência: hematomas, dente quebrado, metade de uma sobrancelha, olhos e boca semi-cerrados, nota de dor no rosto adolescente.

"Cuidado pra não se impressionar", diziam alguns ao sair da sala fúnebre.

O homem começou a subir a escada, apoiando-se em corrimões, namorada, moléculas de ar.

O rosto desfigurado pelo sofrimento ainda mantinha, no entanto, os traços conhecidos de todos.

Todos se reconheceram naquele homem despedaçado.

"Perder uma filha é morrer duas vezes"

"É contra as leis da natureza"

"São os filhos quem deveriam enterrar os pais"

Braços longos envolveram o homem e sua dor. Um longo e forte abraço, alguns olhares. Muitos "meus pêsames".

Os braços e pernas o entregaram a outros braços e pernas, que o entregaram para outros braços e pernas.

Quando nascemos, emprestamos pernas e braços outros, até que possamos caminhar e segurar com nossos próprios.

Quando mergulhamos na tristeza mais profunda, é como se voltássemos àqueles primeiros dias. Viramos, por momentos, os outros.

De braços e abraços, pernas e passos, sussurros e palavras, o homem chegou até a filha morta.

E emprestou, da sua menina, algumas lágrimas mais.